Todo mundo entende o que seu gatinho “quer dizer”. Batemos looongos papos, não é mesmo? Mas cientistas já classificaram as vocalizações felinas. E trazem muitas curiosidades.
Uma pesquisa sul-coreana, que reuniu diversos especialistas e foi publicada no ‘Jornal of Veterinary Science’, uma revista editada pela Sociedade Coreana de Ciência Veterinária desde 2000, estudou as diversas formas de vocalizações dos gatos domésticos. O objetivo foi “alcançar uma melhor compreensão de um dos animais de estimação mais populares do mundo e ajudar o proprietário a entender seu animal de estimação e, assim, melhorar o bem-estar dos gatos”.
O estudo foi realizado por Chloé Tavernier (mestre em Etologia “Comportement Animal et Humain” da Université de Rennes, na França), Sohail Ahmed e Seong Chan (ambos do Departamento de Ciências Clínicas Veterinárias, do Instituto de Pesquisa para Ciências Veterinárias Seoul Wildlife Center e da Faculdade de Medicina Veterinária da Universidade Nacional de Seul, Coréia) e Katherine Albro Houpt (especialista em Comportamento Animal da Faculdade de Medicina Veterinária da Universidade de Cornell, EUA).
Os pesquisadores mostram que gatos podem produzir vários tipos de vocalização, e em diferentes contextos de comunicação. Demonstram que essas vocalizações podem ser alteradas pela genética do gato – e que, portanto, são individuais, também moduladas pelo ambiente em que ele vive. A pesquisa apresenta o que de mais comum foi observado na forma de comunicação vocal. Nós resumimos o estudo: como se dá a vocalização, como o ambiente influi, o repertório vocal dos gatos, a relação entre vocalização e emoções, e ainda um guia com 16 vocalizações e o que significam.
A COMUNICAÇÃO DOS GATOS
Gatos têm um amplo sistema de comunicação. Eles se expressam através de vários sentidos, como o visual, olfativo e auditivo. E vocalizações.
Tradicionalmente, já foram confirmados 12 tipos de vocalizações distintas em gatos. Mas a literatura dos especialistas em comportamento animal já identificou que eles podem usar até 21 vocalizações diferentes para se comunicar com outros gatos e com humanos. E é provável que este repertório seja ainda mais amplo.
O QUE SÃO AS VOCALIZAÇÕES
A maior parte das vocalizações é produzida pela oscilação das pregas vocais durante a expiração ou a inspiração, como o ronronar.
A vocalização é uma escala emocional muito útil, que deve ser interpretada por veterinários e tutores. É uma ferramenta utilizada pelos gatos para demonstrar seu estado interno e suas emoções, uma vez que há uma forte integração com os centros de controle emocional do cérebro.
Entretanto, é preciso saber identificar e “decifrar” o que cada vocalização significa, para evitar erros de interpretação.
O AMBIENTE
O ambiente onde ele vive tem um impacto significativo em seu comportamento vocal. Um exemplo disso é que gatos de rua e os domésticos vocalizam de formas diferentes.
Já foi descrito que o gato doméstico tem um repertório de vocalizações mais desenvolvido e completo que qualquer outro animal carnívoro – inclusive seu “parente” selvagem, o Felis silvestris lybica.
Portanto, gatos domésticos são capazes de criar um complexo e eficiente sistema de comunicação com os humanos, devido à flexibilidade de seu repertório vocal.
REPERTÓRIO VOCAL DOS GATOS
Segundo pesquisas, o repertório vocal dos gatos é bastante amplo e complexo, em relação aos sons produzidos e seus padrões. Isso também se deve ao estilo de vida de cada gatinho doméstico.
Já se sabe que gatos são capazes de diferenciar vocalizações de gatos de seu convívio e os de fora.
Outros fatores que interferem no grande repertório vocal é sua atividade noturna e a interação entre a mãe e seus filhotes.
Há ainda fatores externos (o ambiente em que ele é criado), que influenciam em sua capacidade de percepção e produção de vocalizações; e fatores internos, como sua fisiologia, o que faz com que a taxa de vocalização varie de acordo com a idade.
INTERAÇÕES DA VOCALIZAÇÃO
Embora haja a crença que gatos são animais solitários, eles têm “vida social”. Para essa interação há vocalizações específicas para cada contexto. O que se sabe é que gatos usam a comunicação vocal em quatro tipos de interação:
- Mãe / Juventude
- Agonística
- Sexual
- Com humanos
VOCALIZAÇÃO E EMOÇÕES FELINAS
Como dissemos, gatos vocalizam para expressar emoções e intenções. E a “mensagem” que ele quer passar sofre alterações em relação a parâmetros como a duração, a tonalidade e a frequência com que ele vocaliza.
A pesquisa destaca dois estados internos em que as vocalizações são especialmente importantes:
Os sons agonísticos, que são vocalizações agressivas ou de defesa, e usadas para alertar, assustar ou intimidar um agressor.
Os sons de isolamento, emitidos pelos bebês quando a mãe ou os irmão somem. Eles adaptam o som ao seu estado de estresse ou medo: em uma condição de alta excitação, por exemplo, produzem um som com duração mais longa, menor tonalidade e intervalo entre as vocalizações mais curtos.
CONTEXTO DA PRODUÇÃO VOCAL: INTERAÇÃO HUMANA
Gatos foram domesticados há cerca de 10 mil anos. Sua interação com a nova realidade foi mudando ao longo do tempo, e o mesmo se observa com seu repertório vocal. Principalmente, houve uma importante evolução para se comunicar efetiva e adequadamente com os seres humanos, utilizando vocalizações específicas e dirigidas a nós.
E o mais curioso: em vez de criar novos tipos de vocalização, é mais provável que ele tenha modificado a função de algumas que já utilizava!
Um exemplo é o miado. Sabia que raramente um gato mia na interação com outro gato? Em compensação, é uma das vocalizações mais comuns entre gato e humano.
O miado é usado pelo gato para atrair a atenção humana (como pedir comida ou carinho) e expressar doenças, estresse, solidão, necessidade de procriação ou males do envelhecimento.
A literatura indica que o gato doméstico se especializou no miado para se comunicar conosco e não com seus pares. A hipótese é que ele “selecionou” o miado pelas preferências perceptivas acústicas humanas!
Como se “percebessem” que miar para seres humanos lhes dá uma “vantagem” na comunicação.
DIFERENÇA DE VOCALIZAÇÃO ENTRE MACHOS E FÊMEAS
É provável que machos e fêmeas apresentem um repertório vocal específico, segundo suas diferenças morfológicas. Pesquisas não encontraram diferenças em situações agradáveis, mas ainda há campo para mais detalhamento.
O que já se conseguiu comprovar: machos são, geralmente, cerca de 20% mais pesados que as fêmeas. Por conta deste dimorfismo de gênero, eles mostram vocalizações específicas ao cortejar ou copular. Já as fêmeas mostram sua especificidade na época do cio e na comunicação com os filhotes.
VOCALIZAÇÃO DE BEBÊS-GATO E INTERAÇÕES MÃE-GATINHO
Bebês-gato conseguem vocalizar desde o nascimento. Por volta de um mês seus canais auditivos já estão completamente abertos, com a acuidade auditiva dos gatos adultos. Assim, suas vocalizações “chamam” a mãe de volta ao ninho…
Já foram descritas nove tipos de vocalizações diferentes entre os bebês.
OLHA ISSO!
O nível de estresse com a ausência da mãe influencia na altura e extensão da vocalização (parâmetro acústico). Isso significa que as chamadas são diferentes, criando uma “assinatura individual”. Essa assinatura permite que a mãe diferencie seus filhotes de outros gatos.
VOCALIZAÇÃO DE BEBÊS-GATO E INTERAÇÕES MÃE-GATINHO
A mãe gata tem vocalizações bem específicas para seu “ninho”. As mais frequentes são os gorjeios e ronrons (adiante iremos explicar cada uma das vocalizações), além do chilro e de um miado de baixa intensidade quando está perto deles.
A análise científica mostra que os chiados (outra vocalização) também são sua assinatura vocal, o que faz com que ela tranquilize seus filhotes. À medida que crescem, ela passa a usar esta vocalização para que saiam do ninho e a sigam.
E olha que interessante: a capacidade dos gatinhos de discriminar os chilrear de suas mães demonstra que eles têm habilidades cognitivas consideráveis.
CLASSIFICAÇÃO VOCAL
As vocalizações são bastante amplas e flexíveis em seus parâmetros: gatos podem produzir sons muito altos (como o miado) ou muito calmos (como o chilro).
A vocalização pode ser combinada, repetida ou mesmo produzida ao mesmo tempo para criar “frases” que variam em complexidade.
A seguir mostramos as características dos tipos de vocalizações apontadas pela pesquisa. Colocamos o nome em inglês, classificado pelos pesquisadores, e entre parênteses uma tradução, muitas vezes aproximada.
CALL (CHAMADA)
É classificada como bastante comum e com várias funções. Pode-se referir tanto a um miado como a qualquer outro tipo de vocalização que serve para expressar um estado geral de motivação. É uma vocalização específica entre o emissor (gato) e um recebedor (gato ou humano).
CHATTER (CONVERSADOR, TAGARELA)
É a vibração dos dentes, produzida pelo gato nas proximidades das presas. É um som rápido, como uma gagueira ou um clique, e realizado com a mandíbula e a boca tensa e aberta. Acontece em sequência e pode incluir outras vocalizações, com entonação variável (daí o termo “conversador”).
Muitas vezes a tagarelice pode ser sem emissão de som, o que significa que é produzida sem vibração das cordas vocais.
CHIRP (CHILRO)
Os chilros são um som agudo e curto, com um aumento de tom ao final. Podem ser únicos ou repetidos.
O chilrear pode variar de entonação – e, como já mostramos anteriormente, é uma vocalização da mãe usada com seus filhotes recém-nascidos.
GROWL (ROSNAR)
É um som gutural e áspero. É regular e modulado por uma pulsação rápida, com longa duração. É produzido com a boca levemente aberta e por uma expiração lenta.
O rosnado agudo é geralmente usado para expressar agressividade e é um sinal agonístico, que demonstra estresse e serve para alertar ou assustar outro gato. Se há maior duração e gradação da intensidade, demonstra mudança na motivação do gato.
GURGLE (GORGOLEJO)
É um som baixo, curto e principalmente atonal. Semelhante a um arrulhar de pombos, é um som amigável, usado próximo ao recebedor, e demonstra intenções de tranquilizar, pacificar e apaziguar quem o ouve.
Ainda não está claro se a modulação rítmica do gorgolejo é produzida pelas pregas vocais na laringe ou na língua.
HISS (SILVO ou CHIADO)
É uma longa expiração produzida pelo gato enquanto a boca está aberta com os dentes expostos. É uma vocalização é sem voz, involuntária e desencadeada pela surpresa ao ver um “inimigo”.
É produzido principalmente em situações agonísticas, a fim de alertar um oponente, e vem acompanhado por uma mudança de postura corporal e pelos arrepiados.
SPIT (CUSPIR)
Soa como uma variação mais intensa de um assovio: um som “explosivo”, produzido geralmente antes ou depois do chiado – tanto é que ainda é incerto de o Spit é uma vocalização separada ou uma variação.
É uma reação sem voz e involuntária, desencadeada pelo aparecimento repentino de um inimigo, com a intenção de avisar ou afastar um oponente.
MEW ou MIAOW (MIADO)
É produzido com a boca aberta, que vai se fechando lentamente. Geralmente é composto por duas sílabas: a primeira é estridente e a segunda mais aguda, tonal, aprimorada pelas propriedades ressonantes do trato vocal, com uma ligeira modulação de frequência.
Muitas vezes inclui recursos atonais e “adornos”, que variam de acordo com a mensagem que o gato quer passar.
Como já dissemos, o miado é muito mais utilizado na interação gato-homem; entre gatos é usado principalmente para marcação territorial e atração de parceiros.
Como outras vocalizações, o miado é modulado pelo contexto: os produzidos em uma situação positiva têm afinação mais alta, duração mais curta e são mais melódicos do que os em situação negativa.
MURMUR ou MURMUR-MEW (MURMÚRIO)
Produzido com a boca fechada durante uma abordagem amigável e brincadeira, é um trinado ou um ronronar curto e suave. É uma das vocalizações mais utilizadas em ambientes amigáveis.
PAIN SHRIEK (GRITO DE DOR)
É um grito curto e intenso, caracterizado por uma boca tensa e aberta e um poderoso esforço expiratório. É um som alto, agudo e áspero. É uma das vocalizações emitidas durante brigas entre gatos.
PURR (RONRONAR)
O ronronar ocorre desde a mais tenra idade. É um som baixo, produzido com a boca fechada, durante as fases de inspiração e expiração; pode durar menos de um segundo a alguns minutos e ser combinado com vocalizações tonais.
É produzido durante a inspiração e a expiração e pode diferir no número de ciclos e na duração. É considerado uma comunicação amigável, de curto alcance e reconhecimento social, em uma situação agradável e baixo nível de excitação. Como se significasse “está tudo bem” ou “eu não sou uma ameaça”.
Entretanto, o ronronar ocasionalmente pode variar sutilmente e ser usado em situações negativas, como sinal de fome, estresse ou dor.
É a vocalização que tem a literatura mais extensa.
TWEET (CHILRO)
Soa como um gorjeio suave e fraco. A vocalização geralmente não tem um som inicial claro, e é produzida quando ele deseja alguma coisa. Há uma variação chamada de Tweedle, que é um chilro prolongado e inclui uma modulação da emissão de voz.
SNARL (ROSNAR)
O rosnado ocorre durante uma rápida inalação. É uma vocalização dura, marcada por forte ingestão inicial de ar que termina subitamente com um som. Ocorre em situações agonísticas como uma reação defensiva a uma ameaça.
MOAN (GEMIDO)
É produzido com a boca aberta, que se fecha gradualmente. É um som longo e lentamente modulado. O gemido ocorre na mesma situação em que os rosnados.
YOWL (UIVO)
Também é produzido com a boca aberta, que vai se fechando lentamente. É uma chamada longa, alta e dura, produzida principalmente em situações ameaçadoras (agonísticas) ou durante situações reprodutivas.
HOWL (UIVO)
É um som próximo ao Yowl, mas com duração mais curta. Também ocorre com intenção ameaçadora ou defensiva em longas sequências, com uma variação lenta e grande intensidade.
Geralmente serve de aviso para evitar brigas e é frequentemente combinado com rosnados e rosnados em sequências repetitivas.